Capítulo 206_Sofia

Luan: Desculpa, vim tomar um copo de água, vi a porta aberta, achei estranho...
Daniel: Não posso dar um passo na minha casa sem ter que esbarrar em você, ou ouvir alguém falando em você.
Luan: Desculpa, Sr. Daniel, já estou subindo.
Daniel respirou fundo.
Daniel: Luan, senta.
Luan se aproximou e sentou.
Daniel: Eu ouvi você cantando.
Luan: A Bia tava tentando dormir, mas não tava conseguindo, o bebê não parava de se mexer, pensei que cantar acalmaria o bebê.
Daniel: Funcionou?
Luan: Acho que sim, estão as duas dormindo.
Daniel: Sei...
Luan: Sr. Daniel, hoje eu sei que falei coisas que não devia...
Daniel: Você falou o que tava entalado aí pra dizer, só que nunca teve coragem. Não me ofendeu, e na hora da raiva é que as pessoas falam o que realmente pensam.
Luan: Não é bem sobre isso que eu estou falando, não estou pedindo desculpa pelo o que eu penso sobre o senhor, e sim por ter colocado o nome da mãe da Bia na conversa, não devia ter feito isso.
Daniel: O que você sabe sobre a Sofia?
Luan: Pouca coisa, parece que há uma regra: "É proibido falar da Sofia". A única coisa que sei é o que a Bia me contou, você e a mãe dela se conheceram quando eram adolescentes, ela engravidou, não contou para o senhor, e quando estava doente mandou Bia procurar o senhor. Mas tudo muito vago, ela não conta os detalhes, mal tocamos no nome da mãe dela, e quando estamos aqui parece que é pior. A única coisa que ela falou com muita certeza é que a mãe dela teria adorado me conhecer.
Daniel: Nisso ela tem razão, do jeito que eu conhecia a Sofia, sei que ela te trataria como um filho.
Luan: Posso fazer uma pergunta?
Daniel: Fala.
Luan: Como ela era?
Daniel: Linda, Bia puxou a ela, era de uma bondade sem tamanho, ela não via maldade nas pessoas, ela era a minha lindinha.
Luan: Pelo que o senhor fala, vocês eram o casal perfeito.
Daniel: Que nada, ás vezes ela fazia coisas que me deixavam louco, nós brigávamos, mas logo fazíamos as pazes, como ela dizia: eu era um chato... Mas era o chatinho preferido dela. Achava que passaria minha vida com ela, envelheceríamos juntos.
Luan: E o que aconteceu? Se o senhor me permite perguntar?
Daniel: Como eu disse, ela achava que todo mundo era bom, mas na verdade não era.
Luan: Sei, mas o senhor podia ter procurado ela, quando ela veio pra SP.
Daniel: Mas não fiz. (Daniel respirou fundo.)
"Comecei a namorar Sofia nós estávamos no colégio, melhor dizendo, era o último ano. Sofia já fazia planos, terminaria o colégio e faria o magistério, queria ser professora. A maioria das adolescentes fazia isso na nossa época, era a criação dos pais naquela época. Eu estudaria pra assumir os negócios da família. Meu pai começou com uma pequena sapataria, não éramos ricos, mas tínhamos uma condição razoável. Mas a mãe da Sofia tinha outros planos para ela queria mandar ela pra SP, para casar com um homem rico.
Começamos a namorar escondido, sempre que podíamos fugíamos para namorar, meu cúmplice era o Danilo, era novinho ainda. Pois bem, aproveitávamos os momentos que tínhamos. Mas você sabe como é cidade pequena, todo mundo sabe da vida de todo mundo, as pessoas começaram a falar, mas ninguém tinha certeza.  Pouco antes da briga que resultou em nossa separação, Sofia se entregou a mim, fui seu primeiro homem, foi uns dos melhores dia da minha vida. Estava disposto a falar com a mãe dela, enfrentaria o mundo por ela, mas ás vezes, as coisas não acontecem da maneira que imaginamos. A mãe da Sofia não deixaria que um caipira qualquer estragasse tudo, ela tomou as providências, com ajuda de uma das amigas de Sofia, que contou pra mãe da Sofia que estávamos nos encontrando, era a confirmação que faltava.
Aproveitaram uma festa da cidade e armaram um flagra para que eu achasse que a Sofia estava se encontrando com outro rapaz. A "amiga" me levou até onde ela estava, com a desculpa que a Sofia queria me ver. Vi o rapaz beijando ela. Na hora não me dei conta de toda a armação, saí furioso, me sentindo traído. Ela ainda veio tentar me explicar, mas não ouvi, sai da festa e fui pra casa. O ano letivo tinha acabado então não tínhamos como nos encontrarmos. A mãe a proibiu de sair de casa, ela pediu que a "amiga" viesse falar comigo, para me explicar que tudo tinha sido um mal entendido. Mas ela fez o contrário: falou pra mim que Sofia estava com os dois, e que nunca ficaria comigo e que ela sim me amava e não aguentava me ver sofrer. E pra Sofia contou uma outra história, estava magoado, ferido e com muita raiva, nada mais importava já que eu não importava pra ela, iria ficar com que me amava. E foi o que eu fiz, fiquei com a "amiga " da Sofia. Nesse meio tempo a mãe de Sofia preparou a viagem dela pra SP, pra morar com a tia. Sofia ficou sabendo que eu estava com outra, não vendo mais sentido de ficar na cidade, nem questionou, foi embora. Tempos depois terminei com a amiga dela, queria ficar sozinho.
A tia da Sofia era totalmente o oposto da mãe dela, o marido dela tinha falecido, ela não tinha filhos, Sofia era a filha que ela não teve. Enquanto a mãe de Sofia a pressionava para arrumar um homem rico pra ela casar, a tia dizia que ela tinha que estudar, ser uma mulher independente, se algum dia ela resolvesse casar, tudo bem. Algum tempo depois que estava em SP, descobriu que estava grávida da Bia. O desespero tomou conta dela, contou pra tia, a tia contou pra mãe. Para surpresa de Sofia, a mãe dela falou que a partir daquele momento ela tinha morrido e que ela não voltasse para a cidade, para não fazer ela passar vergonha. Sofia não tinha motivos para voltar, ela não tinha a mim ou a mãe. Por que voltaria?
Depois de um tempo a mãe de Sofia começou a espalhar pela cidade que Sofia tinha morrido, foi na mesma época que eu descobri sobre a armação. Ela estava morta, não tinha mais o que eu fazer. Lembro de quantas noites em minhas orações eu pedia desculpa para ela por tudo que eu tinha feito, pedindo que ela me perdoasse. Comecei a dedicar minha vida aos estudos, assumi o negócio da família, transformei no que ele é hoje. Em um belo dia, a mãe de Sofia, já muito doente, mandou me chamar. Fiquei surpreso, não tínhamos nada pra conversar. Pelo contrário, se não fosse por ela, eu estaria com Sofia. Mas, mesmo assim, fui. Lembro da frase dela até hoje.
"'Oi Daniel, quanto tempo. Hoje é o dia para eu retribuir tudo que você fez por mim...'
Daniel: Pensei: "Essa velha ficou louca, só pode."
"'Você tirou tudo de mim, agora é minha vez. Você tirou minha Sofia.'
Daniel: "Disse a ela: eu não tirei a Sofia da senhora, eu a amava, se a senhora não tivesse afastado ela de mim, hoje estaríamos casados, com filhos."
"'Filhos, pois é por isso que te chamei aqui. Agora é minha vez de tirar algo de você, (tosse) quando Sofia foi embora, carregava um filho seu. Você não perdeu só a Sofia, mas seu filho bastardo... Não sobrou nada, estão mortos... (rsrsrs)...'
Daniel: Eu não podia acreditar no que ela dizia, a única coisa que eu pensava era na Sofia, sozinha com um filho, comecei a gritar com ela, a chamava de mentirosa...
"Mentirosa?Você sabe o que fez... Fez de minha filha uma perdida..."
Daniel: Eu perdi o controle, tive que ser segurado porque senão acabava de matá-la, sai de lá ouvindo a risada dela, depois de tudo, ela ainda carregava tanto ódio... O que eu sentia era uma mistura de raiva, remorso.. Tudo junto.
Luan: Nossa, a história é mais complicada do que eu pensei, por isso que o senhor nunca foi atrás dela.
Daniel: Nunca. Tanto Sofia como nosso filho, pra mim estavam mortos. Segui minha vida, muitos anos depois conheci Raquel, ela é uma mulher maravilhosa, me ama, cuida de mim e dos nossos filhos, não tenho o que reclamar dela, pelo contrário, ela tem muita paciência comigo...
Luan: Mas nunca vai amá-la como amou a mãe da Bia.
Daniel: Eram situações diferentes, tempos diferentes. Não podia viver  no "se", "se" eu tivesse ouvido ela, "se" eu tivesse ido atrás dela, isso não ia trazê-la de volta. Quando parecia que tudo estava seguindo tranquilamente, aparece uma moça em minha empresa. Tinha marcado com minha secretária, com uma desculpa qualquer. Lembro que só disse: "Deixa ela entrar, quanto mais rápido eu atender, mais rápido ela vai embora.."  Tinham-se passado tantos anos, com alguns traços diferentes, mas não tinha como negar a semelhança, era como se eu estivesse por alguns minutos voltando ao passado, ela deu um sorriso e estendeu a mão para me cumprimentar. Fique estático por alguns momentos.
Bia: Bom dia...Sr. Daniel
Daniel: Bom dia.
Bia: Desculpa tomar o seu tempo, sei que é um homem muito ocupado...
Daniel: Você me lembra alguém, desculpa, seu nome?
Bia: Beatriz.
Daniel: Em que posso ajudar, Beatriz?
Bia: Sei que vai parecer meio estranho, é uma história meio complicada, minha mãe está muito doente e a pedido dela vim procurá-lo.
Daniel: Doente?
Bia: Sim, câncer...
Daniel: Desculpa, mas o que você deseja?O ramo da nossa empresa não é farmacêutico, não sei em que poderia te ajudar.
Bia: Não vim atrás de ajuda, minha mãe está sendo muito bem cuidada em SP.
Daniel: Desculpa, então, não entendo o motivo da sua vinda aqui. Como você disse, Srta. Beatriz, sou um homem muito ocupado, se a senhorita já terminou...
Dei as costas para sentar em minha mesa, quando ela prosseguiu.
Bia: Como disse, vim em nome da minha mãe, a pedido dela, mas sinceramente já estou arrependida, sinceramente não sei o que minha mãe viu no senhor, um ser arrogante, prepotente...
Daniel: Desculpa, mas não faço ideia de quem é sua mãe e nem porque te mandou aqui, agora se já terminou.
Bia: Já terminei, desculpa ter tomado seu tempo. Ah, e o nome da minha mãe é Sofia Franccioli.
Ela deu as costas e simplesmente saiu. Fiquei sem reação. A quantos anos não ouvia aquele nome. Quando dei por mim, ela já tinha saído da empresa. Qual era o objetivo daquela garota ali? Sofia estava morta, mas já que aquela moça veio até mim, eu chegaria até o fundo daquela história. Chamei Danilo, mandei ele revirar a cidade, ela devia esta em algum hotel, pousada, sei lá, sabíamos o primeiro nome o sobrenome, provavelmente seria o de Sofia."
"Danilo: Você ficou louco, Daniel? Vou sair pela cidade atrás de uma moça que eu nem sei quem é, só porque ela falou o nome da Sofia?
Daniel: Faça o que eu tô te pedindo.
Danilo: Tá, Daniel...
Daniel: Danilo foi a contra gosto. Tem ideia de como eu fiquei?"
Luan: Posso imaginar. Não sei o que faria se isso acontecesse comigo e a Bia. De repente ela sumir da minha vida e aparecer anos depois, isso é loucura.
Daniel: A única coisa que passava pela minha cabeça, era que aquela moça não sabia com que estava brincando. Danilo foi atrás dela, descobriu onde ela estava. Ele conversou com ela, ela contou coisas que só quem tivesse convivido com a Sofia saberia. Outra coisa que Danilo reparou foi que, apesar de ela ter traços da Sofia, ela também lembra minha mãe, no jeito de agir principalmente. Ela tinha deixado claro para Danilo que embarcaria pra SP e que só tinha feito aquela viagem por causa de sua mãe, porque tinha prometido pra ela, mas que já estava arrependida. Se tudo aquilo era verdade, eu tinha vivido uma mentira, fui procurá-la e alguns dias depois estava embarcando pra SP. Saí do aeroporto, fui direto ao hospital, quando a vi foi uma mistura de sentimentos... Fiquei ao lado dela o máximo que eu pude, pela terceira vez eu iria perder a Sofia.
Um silêncio pairou no ar, Luan não sabia o que falar, até que por fim:
Daniel: Acho melhor irmos dormir.(ele se levantou e voltou para dentro da casa, Luan ficou ali pensando em tudo que Daniel tinha falado.)